segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

História da Carochinha

©2009-2010 ~KacperM
Um certo dia, ela apareceu com uma expressão confiante. Onde ela teria ido ou o que afinal deva ter visto? Quando se mora na rua por muito tempo já não precisa mais de perguntas, nem respostas, tão pouco de fé. Mas por pior que isso possa parecer eles tinham um ao outro. Ele era da esquina do Museu Nacional de Belas Artes, ela da esquina da Biblioteca Nacional. Não sabiam ler, mas chamavam aquilo de vida. Os carinhos na madrugada escondiam o frio, a cola de sapateiro tapeava a fome, quando os olhos fechavam era o prenúncio do encostar dos lábios massacrados pela miséria da vida. Na época de natal não havia desejos, ceia, havia era cola, crack, muito crack e ele. Que aparentemente sempre estava ali mesmo nas viagens que fazia mentalmente. Era carnaval e por ventura naquele certo dia, ela achou graça da vida outra vez. O convidou a fazer amor. Até nisso havia perdido o interesse. Mas naquele certo dia, pegou os retalhos de fé, colocou no bolso rasgado e disse:
- Vamos morar numa mansão?
Ele pôs-se a gargalhar.
- Tááá louca muié? Ta fumando muito, hein?!
Sabia que eles não tinham nada, nem ela, mas levou-a nos braços mesmo assim. Foram parar na rua dela. Uma lua enorme dava o convite para entrar em outra dimensão. E assim fizeram.
- Aqui, bem. Nossa casa!
E era uma mansão. Melhor, uma biblioteca. Vazia e solitária. Mas linda nos olhos daquela gente. Dali imaginavam as crianças correndo, o mordomo, as poesias e a piscina. No tapete sem fim, imaginou-se uma rainha. Naquele dia ninguém passou por ali, estavam mais preocupados com as mulheres nuas por opção no Sambódromo. Os outros vizinhos de rua nunca tiveram essa idéia. Sorriram, dançaram ao som de fogos e música. Ele a pediu em casamento. Ela aceitou! E por ali ficariam. Enquanto o sonho os permitisse. Ou até a quarta-feira de cinzas.